No domingo passado eu acordei especialmente feliz. Algo delicioso
aconteceria naquela tarde após o almoço.
Os domingos na minha casa são sempre muito alegres, pois é dia de reunirmos os filhos, nora, genros e netos. Enquanto eu e meu marido preparamos o almoço eu sempre abro um vinhozinho para o 'esquenta'. Coloco uma música, a conversa rola solta, os risos ecoam alto pela casa... Tudo bem barulhento como bons descendentes de italianos que somos.
Logo todos começariam a chegar, menos a minha filha caçula e
o noivo que estão em férias nos Estados Unidos. Eles tinham trocado alianças de
noivado no sábado em Las Vegas, numa festa surpresa preparada pelo namorado. À
noite voariam para Nova York. Tínhamos preparado uma surpresa para eles: iríamos
chamá-los pela webcam, e todos nós juntos
festejaríamos o noivado deles. Eu havia comprado dias antes, vuvuzelas, confete,
língua de sogra e tiaras engraçadas para todos. Ao lembrar-me disso deixei escapar um sorriso
imaginado como seria engraçado...
Foi então que meu marido ligou a TV. Tudo de repente ficou
pequeno, insignificante. Minha alegria, sem sentido, deslocada, imprópria,
fútil, sei lá... Meu sorriso morreu, meus olhos se fecharam involuntariamente
numa profunda tristeza. Senti vontade de fechar todas as janelas que tinha
acabado de abrir. Pensei nos familiares, em especial nas mães que chorariam
pelos seus filhos mortos sabe Deus por quanto tempo...
Num impulso saí da frente da TV e fui ligar para minha filha
que está distante de mim. Falei da nevasca em Nova York, do surto de gripe
entre os brasileiros e outras coisas. Fiz mil e uma recomendações. Ela me
perguntou por que estava repetindo as mesmas coisas que já havia dito no dia
anterior. Respondi simplesmente que coisas ruins podem ser evitadas, mas não
disse nada sobre a tragédia. Mais tarde quando voltamos a falar pela webcam, ela
me disse: “você me disse aquelas coisas por causa do que aconteceu na boate em Santa Maria,
não foi?”... A notícia já havia se espalhado pelo mundo todo.
O resto do domingo seguiu silencioso, sem música, sem festa
ou comemorações. Havia sol, mas nossos corações estavam nublados. À noite entrei
no Facebook e vi inúmeras mensagens de solidariedade aos familiares das vítimas.
Algumas me comoveram, muitas me causaram espanto.
Quem em plena consciência escreve uma frase do tipo “Chegou
a hora deles”?... Quem pode escrever numa rede social a frase “Deus quis assim,
chamou-os por que precisava deles no céu”?... Com que ‘autoridade’ atribuem a Deus tamanha
culpa?... Com que respaldo?
O pior é que não eram publicações bobinhas de
adolescentes, eram frases escritas por pessoas intelectualizadas, que fazem
questão de mostrar constantemente o quanto são inteligentes.
Bem, se chegou a hora daqueles jovens, presumo que não há culpados pela tragédia. Além de Deus, naturalmente, que os predestinou à triste morte prematura. Nesse caso, a tragédia jamais poderia ter sido evitada. De nada adiantaria o poder público não ser tão negligente na fiscalização das normas de segurança em casas de shows. De nada adiantaria o alvará da boate estar atualizado. De nada adiantaria a banda não ter feito uma apresentação pirotécnica num lugar fechado com mais de mil pessoas debaixo de um teto de espuma... De nada adiantaria aqueles jovens não terem ido para a balada naquela noite, pois a morte os caçaria onde quer que estivessem...
Bem, se chegou a hora daqueles jovens, presumo que não há culpados pela tragédia. Além de Deus, naturalmente, que os predestinou à triste morte prematura. Nesse caso, a tragédia jamais poderia ter sido evitada. De nada adiantaria o poder público não ser tão negligente na fiscalização das normas de segurança em casas de shows. De nada adiantaria o alvará da boate estar atualizado. De nada adiantaria a banda não ter feito uma apresentação pirotécnica num lugar fechado com mais de mil pessoas debaixo de um teto de espuma... De nada adiantaria aqueles jovens não terem ido para a balada naquela noite, pois a morte os caçaria onde quer que estivessem...
De nada adianta, portanto, as leis de trânsito e a recente lei
seca. Pura perda de tempo, segundo essas pessoas. Nunca atinaram que nos países
onde se obedecem mais as leis de trânsito, o índice de mortalidade em acidentes automobilísticos é menor.
Cabe, então, aos que acreditam que a tragédia de Santa Maria não estava predestinada, exigir providencias das
autoridades e punição para os culpados. Os outros que cruzem os braços em suas cegueiras.
E se quisermos escrever mensagens de consolo aos familiares
daqueles jovens, façamos direito. Podemos, por exemplo, começar com uma frase
dita por um sábio há milhares de anos: “O tempo e o IMPREVISTO sobrevém a todos”.
Sim. Somos vítimas do imprevisto, aquilo que não somos
capazes de prever. Mas que na maioria das vezes, pode ser evitado.