“O sonho encheu a noite. Extravasou pro meu dia. Encheu minha vida e é dele que eu vou viver. Porque sonho não morre” (Adélia Prado)

21 de mai. de 2011

Que lingua é essa? rsrs


Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se encontravam no elevador. Um substantivo masculino, com um aspecto plural, com alguns anos bem vividos pelas preposições da vida. E o artigo era bem definido, feminino, singular: era ainda novinha, mas com um maravilhoso predicado nominal.
 

Era ingênua, silábica, um pouco átona, até ao contrário dele: um sujeito oculto, com todos os vícios de linguagem, fanáticos por leituras e filmes ortográficos. O substantivo gostou dessa situação: os dois sozinhos, num lugar sem ninguém ver e ouvir. E sem perder essa oportunidade, começou a se insinuar, a perguntar, a conversar.
 

O artigo feminino deixou as reticências de lado, e permitiu esse pequeno índice. De repente, o elevador pára, só com os dois lá dentro: ótimo, pensou o substantivo, mais um bom motivo para provocar alguns sinônimos. Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses, quando o elevador recomeça a se movimentar: só que em vez de descer, sobe e pára justamente no andar do substantivo. Ele usou de toda a sua flexão verbal, e entrou com ela em seu aposto.
 

Ligou o fonema, e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma fonética clássica, bem suave e gostosa. Prepararam uma sintaxe dupla para ele e um hiato com gelo para ela. Ficaram conversando, sentados num vocativo, quando ele começou outra vez a se insinuar.
 

Ela foi deixando, ele foi usando seu forte adjunto adverbial, e rapidamente chegaram a um imperativo, todos os vocábulos diziam que iriam terminar num transitivo direto.
 

Começaram a se aproximar, ela tremendo de vocabulário, e ele sentindo seu ditongo crescente: se abraçaram, numa pontuação tão minúscula, que nem um período simples passaria entre os dois.
 

Estavam nessa ênclise quando ela confessou que ainda era vírgula; ele não perdeu o ritmo e sugeriu uma ou outra soletrada em seu apóstrofo. É claro que ela se deixou levar por essas palavras, estava totalmente oxítona às vontades dele, e foram para o comum de dois gêneros.
 

Ela totalmente voz passiva, ele voz ativa. Entre beijos, carícias, parônimos e substantivos, ele foi avançando cada vez mais: ficaram uns minutos nessa próclise, e ele, com todo o seu predicativo do objeto, ia tomando conta.
 

Estavam na posição de primeira e segunda pessoa do singular, ela era um perfeito agente da passiva, ele todo paroxítono, sentindo o pronome do seu grande travessão forçando aquele hífen ainda singular.
 

Nisso a porta abriu repentinamente. Era o verbo auxiliar do edifício. Ele tinha percebido tudo, e entrou dando conjunções e adjetivos nos dois, que se encolheram gramaticalmente, cheios de preposições, locuções e exclamativas. Mas ao ver aquele corpo jovem, numa acentuação tônica, ou melhor, subtônica, o verbo auxiliar diminuiu seus advérbios e declarou o seu particípio na história.
 

Os dois se olharam, e viram que isso era melhor do que uma metáfora por todo o edifício. O verbo auxiliar se entusiasmou e mostrou o seu adjunto adnominal. Que loucura, minha gente. Aquilo não era nem comparativo: era um superlativo absoluto.
 

Foi se aproximando dos dois, com aquela coisa maiúscula, com aquele predicativo do sujeito apontado para seus objetos. Foi chegando cada vez mais perto, comparando o ditongo do substantivo ao seu tritongo, propondo claramente uma mesóclise-a-trois. Só que as condições eram estas: enquanto abusava de um ditongo nasal, penetraria ao gerúndio do substantivo, e culminaria com um complemento verbal no artigo feminino.
 

O substantivo, vendo que poderia se transformar num artigo indefinido depois dessa, pensando em seu infinitivo, resolveu colocar um ponto final na história: agarrou o verbo auxiliar pelo seu conectivo, jogou-o pela janela e voltou ao seu trema, cada vez mais fiel à língua portuguesa, com o artigo feminino colocado em conjunção coordenativa conclusiva.

REDAÇÃO DE ALUNA DA UFPE
Redação feita por uma aluna do curso de Letras, da UFPE Universidade Federal de Pernambuco (Recife), que venceu um concurso interno promovido pelo professor titular da cadeira de Gramática Portuguesa.

12 comentários:

  1. Muito bom Suely, uma redação e tanto! Obrigada por compartilhar.
    Valeu!
    Bjssssss e bom domingo.

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  2. Com todo o respeito aos demais participantes desse concurso, se fosse eu o professor lhe daria o primeiro lugar, o segundo, o terceiro... Tantos prêmios quanto fossem os premiados. Que delícia parônima, Sueli. Sem comparativo: instransitivamente espetacular! hahaha! Adorei! Meu abraço. paz e bem.

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  3. Sueli,
    vc tava sumida...
    amei a postagem!!!
    bjo gde

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  4. Muito Boa redação!

    Aplausos!!!!

    Nunca tinha lido uma redação assim tão bela com expressões dificeis, mas que fazem parte do conteúdo.

    Parabéns pelo post e abençoada semana.

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  5. Su, que texto criativo e bem construído, nada mais próprio para ser divulgado agora, em meio a tanta confusão onde se fala em língua falada, em língua escrita, em gramática, em falar de um jeito e escrever de outro... 'Os peixe, os homem...' que agora está valendo para a língua falada! Lindo de morrer. Estou 'adorando' esta concordância, rsrs.

    Resumindo: uma bagunça total! Ninguém se entende. Tudo o que eu aprendi em gramática, que suei a camiseta vou jogar no lixo. Não usarei mais concordância, vou comer todos os 'sssssssss'.

    Acho que o melhor é ficar com a língua da foto e com os lindos dentes; são belos e ninguém discute!

    Beijossssssss, amiga!
    Tais Luso

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  6. Sueli,

    Uma história muito boa, essa contada pela aluna do curso de Letras da Universidade Federal de Pernambuco.

    Embora não tenha lido as redações das demais concorrentes, também daria meu voto para para ela.

    Uma história singular, com suas nuances de malícia, do início ao fim, e que demonstra ter um bom conhecimento de gramática.

    Muito boa sua escolha, Sueli.

    Abraços,
    Pedro.

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  7. Mereceu ganhar, muito bem redigida, embora, hoje, parece que isso está "demodê"...A "lingua" no Brasil, está, cada vez mais, se perdendo pelo esgoto afora...Beijos, querida.

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  8. Sensacional!!! Adorei...

    Beijo, Marta

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  9. Sueli,


    Uma redação ímpar!

    (Coisas da minha terra! rsrs)


    Um excelente post!

    Um abraço enorme minha AMIGA, Marluce

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  10. Eu já conhecia esse texto, mas adorei relê-lo. É realmente de nos deixar sem adjetivos. É muito bom saber que existem pessoas capazes de tanta "transgressão".
    Obrigado por me dar a oportunidade de me enfastiar de gramática..
    Beijo carinhoso,
    Gabriel

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  11. Repartir amor,és lo más sublime que nos pueda ocurrir en la vida

    Saludo Juan

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  12. Que mente! Incrível toda esta capacidade. Merece aplausos de pé! Muito inteligente.

    Eu nao resisti e queria te mostrar este texto porque tem tudo haver com o assunto. Mas eu nao sei quem foi o criador. Recebi de uma amiga mas ela nao sabia dizer quem o fez. Ela me enviou porque eu andei escrevendo contos usando nomes de filmes, e então ela sentiu vontade de me mostrar e agora eu quero mostrar para você:

    Este é um texto bem legal, sobre Seguro de Automóveis, mas de um jeito diferente, utilizando nomes de carros para formar o texto. Vale a pena conferir!

    Carros amigos,

    Vocês sabem que hoje em dia o seguro de automóvel é indispensável. Não podemos deixar nem Uno de nossos Benz à
    Mercedesses ladrões que fazem a Fiesta nessa Honda de assaltos. A Marea tá Brava!

    Quem não segura seu automóvel pode se Ferrari e depois só GM pelos cantos, a Ranger os dentes e a Courier de um lado para outro, vigiando a Strada e perguntando “Kadett meu carro?” Faz a maior Siena e fica Palio deTownervoso! Aí vai rezar um terço para Santana ajudar! Mas, isto não Elbastante para ter seu carro de volta.

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    É Clarus que é bom!
    Boa Voyage e Pointer final.

    Sueli eu adorei quando li, mas o que voce postou foi maravilhoso!
    Beijos

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Sejam bem vindos! Sintam-se a vontade. Comentem, digam o que pensam. Podem rodar a baiana, só não cutuquem a onça com vara curta, ok?... rs